Apostila CSB (II)
AOS CANTORES
l - HISTÓRIA E
DIGNIDADE DO CANTO LITÚRGICO
Desde o IV século a execução do
canto litúrgico estava reservada aos clérigos, e para instruí-los formavam-se
escolas de canto - as Schola
Cantorum. A mais célebre foi a que o Papa
Gregório I reorganizou
em Roma, mas também fora de Roma existiam escolas florescentes. Carlos Magno tornou-se seu zeloso propagador
e protetor.
Nos dias de hoje é tolerado o canto
litúrgico pelos leigos, mas estes devem ter vida religiosa ativa e sólidos
princípios morais.
As Schola
Cantorum são hoje
simplesmente conhecidas por coro.
Este nome serve para designar o grupo que canta na igreja, bem como, o local onde o canto
litúrgico é executado. Sua primitiva
localização era por detrás do altar-mor ou nos lados do presbitério. Em
alguns conventos o coro canta num alpendre ou tribuna situado por cima da entrada do templo - é esta a forma mais usada
no Brasil.
2 - NECESSIDADE DE BOA FORMAÇÃO
"A Música Sacra,
como parte integrante da solene Liturgia, tem papel comum com ela no seu fim
geral que é a glória de Deus e a salvação e edificação dos fiéis"(Motu
Proprio Tra le solecitudine, de 22.11.1904, sobre Música Sacra - S. Pio X).
Com essas sábias palavras o Santo Padre define a finalidade da música na
Liturgia, e continua: "A
Música Sacra concorre para aumentar o decoro e esplendor das cerimônias
eclesiásticas, e como seu principal papel é revestir de apropriada melodia o
texto litúrgico, que se propõe à inteligência dos fiéis, assim é que o seu fim
próprio consiste em acrescentar maior eficácia ao mesmo texto, para que os
fiéis por este meio, sejam mais facilmente excitados à devoção e melhor se
disponham a receber os frutos da graça que são próprios da celebração dos
sacrossantos mistérios" (idem).
Daí se vê a necessidade de uma boa formação e aprimoramento por parte daqueles
que fazem parte de um coro paroquial.
3 - CANTO CORAL LITÚRGICO
A prática do canto coral litúrgico
difere, em alguns aspectos, da prática coral convencional - profana - onde a
finalidade é meramente artística - embora a Música Sacra também deva ser
verdadeira arte como se verá em seguida.
Santo Ambrósio coloca a modéstia como primeira regra para o canto,
mostrando desta forma aos cantores que devem estar cientes do seu "múnus"; nunca se esquecer que sua voz
é um dom de Deus e por isso deve desenvolver esse dom, mas não se
esquecendo que o que deve
impulsioná-lo é a piedade e o amor de Deus.
A Música Sacra deve ser santa em sua melodia e também no modo
como a executam os cantores, devendo estes excluir todas as características
nocivas da música profana, principalmente o sentimentalismo, seja ele romântico
ou marcial, a vanglória dos solos, voz com vibratto excessivo ou "arredondando" os intervalos de uma nota a outra,
interpretando à maneira de seresta.
A música boa para a igreja deve ter
características universais, devendo os dirigentes e cantores
ficarem atentos quanto às melodias folclóricas às vezes adaptadas ao texto
sacro. A melodia sacra pode até manter o estilo de um país, mas deve sempre manter a identidade com o
canto gregoriano que é o oficial da Santa Igreja
Católica e, por isso,
universal. Também, em relação às letras não litúrgicas deve-se observar se não
são poesias pobres ou de gosto duvidoso.
Enfim, a Música Sacra deve ser verdadeira arte e deve exercer sobre aqueles que a
executam exatamente aquilo que a Igreja quer: a edificação dos fiéis e a
salvação de suas almas.
4 - PRÁTICAS DE CANTO CORAL
O coro paroquial deve se exercitar
bastante para executar bem as músicas polifônicas, como também as gregorianas.
Os ensaios devem ser frequentes e procurando-se um mínimo (e sempre mais) de
instrução para executar com dignidade e fidelidade as composições. Às vezes e
preferível executar bem uma composição simples que, mal, uma bela, pois assim
não alcançará aquilo que a Igreja quer, e, pior, escandalizará os fiéis.
Nunca é demais lembrar que o cantor
não deve visar a vanglória. São
Bernardo ensina: "Há alguns que são
vaidosos de sua voz e desprezam os outros; cantam mais para agradar ao povo do
que a Deus. Se cantares para receber elogios dos outros, venderás a tua
voz". Por isso, mesmo que se procure aperfeiçoar a qualidade da
voz, a humildade e a glória de Deus ficam em primeiro lugar.
4.1 - COMO SE PRODUZ O SOM?
Para se produzir um som são
necessários três elementos:
1.
VIBRADOR - as cordas vocais;
2.
FONTE DE FORÇA - a respiração, e
3.
RESSONADORES - boca, língua, nariz, músculos e
ossos da face.
4.2 - PREPARANDO O SOM - AQUECIMENTO DO CORPO
Antes de começar a cantar o cantor
deve estar com a musculatura do pescoço e dos membros superiores completamente
relaxada. Começando-se pelo pescoço deve-se fazer assim:
- massageá-los com as pontas dos dedos;
- pender a cabeça para a frente, levemente;
- levar a cabeça para a direita e para trás (aqui deve-se abrir bem a boca e "soltar"os maxilares);
- continuar para a esquerda até o ponto inicial e repetir o exercício algumas vezes, depois inverter começando pela esquerda.
Passa-se para o aquecimento dos
membros superiores:
- esticar os braços para o alto como se fosse tocar o teto;
- fazer movimentos circulares com os ombros.
Também para a língua, rosto e
maxilares são necessários exercícios de aquecimento. Faz-se assim:
- massagear com os dedos a junção dos maxilares (perto da orelha);
- massagear o queixo e os lábios superiores com a ponta dos dedos (como se estivesse escovando os dentes por fora);
- abrir a boca horizontal e verticalmente;
- imitar o telefone (trrrr...);
- articular dugudugu... (sem som);
- abrir a boca lentamente. Observar para que a língua acompanhe o movimento das mandíbulas sem enrolar ou levantar, mantendo-a relaxada;
- continuar exercitando os maxilares com vocalizes sobre paiáiá..., môiôiô..., pápápá.
4.3 - RESPIRAÇÃO
Depois de aquecer totalmente o corpo
deve-se partir para a preparação da respiração. É bom lembrar que a postura
adequada para o canto é aquela em que o corpo fica a 900 em relação ao solo, sem tensões. Não
se deve ficar com o queixo erguido, tórax para frente e ombros caídos.
Para preparar a respiração deve-se
fazer o seguinte:
- inspirar por uma narina e expirar pela outra, lentamente, e vice-versa;
- imaginar o cheiro agradável de uma flor, por exemplo, inspirando naturalmente, sem ruído. Deve-se deixar o ar entrar naturalmente. Outra observação: procurar inspirar sempre pelo nariz;
- inspirar e em seguida expirar como se estivesse apagando uma vela (ponta do dedo);
- inspirar e depois expirar pausadamente, colocando a palma da mão a mais ou menos dez centímetros da boca. Se o ar sair quente é porque o cantor está desperdiçando ar demais;
- colocar a palma da mão sobre o abdômen e inspirar, sentindo que o ar "empurra" a mão para fora. O ar deve tomar todo o abdômen, expandindo-se para os lados e pressionando as costelas. Ao fazer esse exercício o cantor deve observar que nunca deve levantar o peito e os ombros ao inspirar;
- depois de ter inspirado da forma acima, o coralista continua o exercício "segurando" o ar por alguns segundos, contando de 1 a 10, pausadamente, e expira aos poucos, emitindo um leve som de ssss..., entrecortado; depois repetir o exercício mudando o som para ffff...;
- entre um exercício e outro deve o cantor relaxar os braços soltando todo o ar contido no diafragma;
- inspirar contando de 1 a 10 tempos e expirar em 1 tempo com som de sss...;
- inverter inspirando em 1 tempo e expirando em 10..., 20..., 25...., também com som de sss...
4.4 - O SOM
O ar, ao fazer vibrar as cordas
vocais, produz um som pequeno que necessita de uma caixa de ressonância para
ampliar-se. São três os principais ressonadores: cabeça, laringe e peito,
responsáveis pela ressonância dos sons agudos, médios e graves,
respectivamente.
Para deixar a voz preparada para o
canto deve-se fazer o seguinte:
- partindo de uma nota cômoda (sol, p.ex.), deslocar-se pausada e vagarosamente para as notas graves. Usar a sílaba nonnon... sentindo a ressonância. Depois mudar para bumbum..., dingding..., iáiá...;
- descer meio tom e repetir as mesmas sílabas;
- continuar descendo até a nota mais grave que o grupo alcançar;
- aumentar o andamento e utilizando as mesmas sílabas anteriores, subindo de meio em meio tom e alcançar a nota mais aguda.
*OBSERVAÇÃO: Pode
o regente fazer os exercícios acima utilizando qualquer melodia de fácil
assimilação pelo coro.
4.4.1 - AS VOGAIS
As vogais podem ser abertas ou
fechadas, claras ou escuras. É preciso equilibrá-las:
- para o "ataque" das vogais deve o cantor abrir a boca antes de emitir o som, como se fosse bocejar: a, é, ê, i, ó, ô, u;
- articular as vogais sem emitir som, apenas sussurrando;
- um bom exercício para ver se a articulação das vogais está sendo clara é fazendo duplas e, a uma certa distância, um tentar descobrir a vogal que o outro está sussurrando.
4.4.2 - AS CONSOANTES
A formação das consoantes requer
participação da língua e/ou dentes e/ou lábios, e há as que são formadas na
garganta. Para cada caso o coralista deve articulá-las de uma maneira.
As consoantes m, n e l devem ser dobradas para se
tornarem perceptíveis. Já o j, ss, ch, x (/s/, /ks/, /x/) devem ser atenuadas, isto é,
articulá-las leve e agilmente.
Para "despertar" a musculatura próxima da boca deve-se
treinar assim:
- começando numa nota cômoda fazer escala ou 1a, 3a, 5a e 7a com a sílaba mu-a-mu-a...(exagerar bastante na articulação);
- continuar em outros tons, ascendendo ou descendendo de meio em meio (dependendo de como o grupo esteja aquecido) e outras sílabas.
5 - QUALIDADES PARA O CORO
O coro não será melhor ou pior pela
quantidade de seus membros. nem pela execução de harmonizações para 3, 4 ou até
5 vozes. Nem ainda pelo volume em que cantam seus integrantes. O coro será bom
quando seus integrantes colocar em prática certos detalhes que, em princípio,
podem parecer complexos mas que, com o tempo, tornar-se-ão naturais.
Tudo que foi visto nos tópicos
anteriores serve para fazer com que o coro tenha um canto limpo, ágil e de boa
extensão de voz, com um timbre único, uma boa projeção de voz e expressão
clara.
5.1 - LIMPEZA
Deve o coralista se preparar para o "ataque" das notas musicais, com grande
abertura interior da boca, como se estivesse bocejando e cantar sempre à meia
voz ou piano, sem forçar. Os lábios devem estar para frente, os dentes
separados e o queixo relaxado. (v. 4.2)
5.2 - AGILIDADE E EXTENSÃO
O cantor deve cantar levemente,
pronunciando todas as vogais (v. 4.4.1). Os exercícios para dar
agilidade e extensão à voz devem ser baseados em vocalizes trabalhadas nas
oitavas, para aumentar a extensão de voz, rapidez e limpidez ao som (v. 4.4).
5.3 - TIMBRE
É importante cuidar do timbre do
coro. Deve-se buscar uma igualdade de som. Esse trabalho o regente pode
desenvolver explorando os uníssonos para a partir daí encontrar o timbre ideal
para o coro e aperfeiçoá-lo.
5.4 - PROJEÇÃO
Para uma perfeita compreensão do que
se canta deve o cantor projetar sua voz para um ponto o mais distante possível
(o altar, p. ex.). O cantor não deve se limitar à partitura e ao local onde se
canta.
5.5 - EXPRESSÃO
Principalmente no canto sacro é
necessária muita expressividade quando se canta, já que é uma oração musicada.
Por isso o coralista deve ser bom católico para que, desta forma, possa ele, em
primeiro lugar, compreender e professar o que está cantando e assim transmitir
com clareza aos fiéis aquilo que a Igreja propõe nas Suas preces cantadas.
** FONTES:
- Dicionário Litúrgico - Frei Basílio Röwer, OFM. (Ed.
Vozes - 3a edição -
l946)
- Técnica Vocal Aplicada ao Canto Coral. Profa Yara Campos (l982)
- Cinco Lições Práticas de Canto. James C. McKinney
Extraído do antigo site do Coral São Boaventura (de Campos-RJ).
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